segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A difícil tarefa de "tomar o céu por assalto"


Marx usava esta expressão pela primeira vez em uma de suas cartas a Kugelmann, de abril de 71, para falar da heroica tentativa dos operários revolucionários da Comuna de Paris. Ao tomar a cidade de Paris em barricadas, se auto-organizando em milícias revolucionárias, os Communards davam um primeiro exemplo histórico, fundamental, à teoria do socialismo científico de Marx e Engels, de que a transformação radical da sociedade, da qual tratava o Manifesto do Partido Comunista, seria fruto de uma insurreição, e que esta deveria ser tratada como uma arte, com suas leis próprias. Este é um dos aportes fundamentais da derrota da comuna de Paris. A tradição dos revolucionários está justamente em tirar as lições das derrotas, aprender com a própria história e com a experiência da classe operária, para então vencer.

Lenin retoma esta mesma expressão em O Estado e a Revolução, quando irá discutir justamente que o estado burguês não pode ser disputado, pois sua forma está umbilicalmente relacionada a seu conteúdo, ou seja, sua estrutura, suas leis, seu regime, tudo existe no sentido da manutenção da propriedade privada e do capitalismo. Indo mais profundamente, Engels diz que o estado é a cristalização das contradições entre as classes com o objetivo de legitimar a dominação dos exploradores sobre os explorados. Neste sentido, o estado precisa ser destruído, e só o será através da ação decidida da classe operária auto organizada e armada, sob a direção de um partido revolucionário. Este seria o primeiro passo, ou o 1/10 da revolução, visto que os outros 9/10 estão ligados às medidas de desenvolvimento das forças produtivas do estado de transição, e, principalmente, da revolução internacional. Lenin partia desta profunda compreensão, e foi através dela que em abril de 17 combateu duramente a antiga fórmula de “ditadura democrática dos operários e camponeses” defendida pelos bolcheviques até então, apontando como perspectiva “nenhuma confiança no governo provisório” dos mencheviques, SR e Cadets, ou seja da burguesia e dos conciliadores, e “todo poder aos soviets”. E mais, pode-se dizer que a Revolução Russa, que lutava por demandas tão elementares como “pão, paz e terra”, só se desenvolveu até o fim porque se colocou clara e decididamente a questão do poder, “todo poder aos soviets”. A partir do avanço em conquistar a maioria dos Soviets, o partido preparou a insurreição, e em outubro de 1917, os operários russos tomaram o céu por assalto.

Duras lições se seguiram à triunfante Revolução Russa. Em países como a Alemanha, Hungria, Finlândia e China, se desenvolveram processos em que esteve colocada a questão do poder, e que em alguns casos a falta de clareza da estratégia, e em outros a clareza de uma estratégia de “organizar derrotas” da Internacional Comunista stalinizada acabaram levando estes processos à derrotas. Trotsky, ao ver a fundamental oportunidade revolucionária de 23 na Alemanha passar, diante dos olhos da direção comunista alemã, aponta a necessidade de retomar a experiência da revolução russa para retirar as lições estratégicas do processo, evitando assim novos erros por parte das direções nacionais da internacional comunista, generalizando a experiência da revolução Russa em uma estratégia para a tomada do poder, em um plano de guerra. E guerra aqui não está em sentido figurado, está justamente no sentido colocado por Clausewitz, de “continuação da política por outros meios”. Significa o armamento da classe operária, sua organização em milícias, bem como sua preparação militar para o embate físico contra as tropas da burguesia. A revolução necessariamente se enfrentará com o núcleo duro do aparato repressivo do estado, que está preparado e ganho ideologicamente resistir às investidas revolucionárias das massas.

Entretanto, a estratégia não é somente um plano de guerra, ela é também a aplicação deste plano pelos generais. Nenhum plano pode ser aplicado perfeitamente tal como foi desenvolvido. Parte do próprio processo é de adequá-los à resistência imposta pela realidade, Clausewitz desenvolve isto de maneira mais profunda através do conceito de Fricção, em seu livro “Da guerra”. Isto fica muito claro ao olharmos para as revoluções ao longo do século XX. Ao mesmo tempo que seguem um padrão de desenvolvimento, nenhuma revolução é igual. Vários são os exemplos de desenvolvimentos distintos da luta de classes em processos revolucionários, que demonstram a validade de um plano de guerra como estratégia revolucionária, mas também dos generais como implementadores deste plano, adequando-os a cada aspecto da realidade. Na Rússia, por exemplo, em plena I Guerra Mundial, com as massas camponesas armadas e recrutadas pelo exército, surgiram Soviets de operários, camponeses e soldados, e só depois de alguns meses que a classe operária conseguiu se colocar à vanguarda destes, então, parte da estratégia foi justamente ganhar a maioria destes soviets, tirando das mãos dos conciliadores a direção do processo. Se olhamos o processo da Alemanha de 23, é nítido o peso central, estratégico, da classe operária através de seus comitês de fábrica. Com o desenvolvimento do próprio levante das massas, a questão da insurreição se colocou como uma questão de dias, e neste caso o momento foi perdido pelo Partido Comunista Alemão. Certamente pesou a experiência aventureira de 21’ na qual o partido se levantou em armas contra o estado e foi brutalmente reprimido. Ao invés de tirar as lições necessárias, a direção alemã, e uma ala importante da direção russa, se tomaram de conservadorismo no momento de organizar a tomada do poder. Ou então se olhamos para a Espanha no processo de 31 a 39, os processos de auto organização se dão centralmente através das próprias milícias de combate ao fascismo, a disputa se desenvolve territorialmente, e em cada território se avança com a expropriação do poder pela classe operária... Até que a Frente Popular – segundo Trotsky, a última arma da burguesia para evitar a revolução operária e socialista, na qual as direções operárias se aliam à burguesia para “combater o fascismo” – consegue restaurar a ordem burguesa, restituindo as instituições do estado, matando o espírito revolucionário da classe operária. O mesmo poderíamos dizer acerca dos Cordões Industriais no Chile em 73', que depositavam suas esperanças nas transformações propostas por Allende; ou da COB boliviana em 52'. Enfim, vários processos que ao mesmo tempo que apontam aspectos em comum, permeadores de todas as revoluções, se expressam em formas organizativas diferentes, estas formas cumpriram o papel de auto-organizar a classe operária, a sua maneira e com suas especifidades. Surgiam como organismos de duplo poder, de frente única das massas. Da mesma forma as milícias espanholas cumpriam o papel da Guarda Vermelha Russa, similar ao armamento dos cordões industriais. O que faltou em cada um destes processos, que havia na Rússia é a direção do partido bolchevique de Lenin e Trotsky, embasada por um longo trabalho de acúmulo teórico e de experiências. Faltou justamente um estado maior revolucionário, que através de uma apropriação profunda da teoria e das experiências da classe operária pudesse dirigir a classe operária destes países à vitória.

Trotsky dizia, no Programa de Transição, que “crise da humanidade é a crise da direção revolucionária”, e esta afirmação se mantém correta até os dias de hoje. Historicamente não foi possível reconstituir uma direção nacional, e internacional, com uma síntese profunda de acúmulo teórico e de experiências revolucionárias tal como a direção bolchevique da revolução Russa. E mesmo dentro dela se forjou uma ala social democrata que conseguiu tomar a direção do partido depois da revolução, mediante à miséria imposta pela guerra civil e a derrota da revolução alemã. Esta ala desenvolveu as teorias do socialismo num só país, uma visão etapista, de países maduros e não maduros para a revolução. Ou seja, mesmo na direção revolucionária mais preparada da história houve uma ala que capitulou a social-democratização, ao reformismo. Daqui se deduz a importância estratégica de se forjar um estado maior revolucionário que esteja pronto para adaptar o plano de guerra às pressões da realidade, que saiba enxergar os momentos de viragem histórica, de passar da propaganda à ação, que consiga se colar ao fluxo revolucionário de rupturas e fusões para forjar organizações revolucionárias no seio da luta de classes, que se preparem, rapidamente para dirigir a classe operária, que se fundam orgânica e profundamente com a vanguarda operária. Estas são nossas tarefas históricas, e este, antes de qualquer outro, o papel que devemos cumprir.

Em tempos de crise histórica do capitalismo, de default dos estados europeus, de recessão e estadounidense, de abertura dos processos revolucionários da Primavera Árabe, estará mais uma vez colocada, depois de 30 anos, a perspectiva da Revolução. As massas estão sendo empurradas, dia a dia, para isto, e a burguesia já se prepara, e quanto mais se prepara, mais se dá conta de sua impossibilidade de resolver a crise de maneira pacífica e superestrutural. Ao mesmo tempo, um retrocesso histórico sem precedentes se dá no âmbito da consciência da classe operária internacional, e o marxismo, que já ocupou um papel proeminente no seio da classe operária, hoje está à margem da sociedade. Enfim, a situação colocada é esta, até o momento a crise econômica vem provando a incapacidade da burguesia de servir governando, e isto vem acordando, aos poucos  as massas para não aceitarem ser governadas como antes. Quando este momento começar a se desenvolver, a classe operária avançará em suas experiências, e irá avançar em se colocar enquanto sujeito das transformações necessárias. É neste processo que devemos, os marxistas revolucionários, intervir, dotando a vanguarda operária radicalizada de um plano de guerra para não só conquistar alguns direitos, mas para almejar o “impossível”, a tomada do poder. “Tomar o céu por assalto” é uma tarefa tão impossível quanto a própria luta de classes determina, há alguns anos era completamente inimaginável, e, certamente, logo chegará o momento em que esta tarefa se tornará inevitável.

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